Escrever exige alma

Escrever é difícil. Difícil, mas muito prazeroso. É algo que exige gosto, amor e consciência. Escrever é sentimental, vem de dentro para fora, pede sensibilidade. No entanto, o gosto pela escrita nasce através da leitura. Gostar de escrever é gostar de ler. Um escritor dedicado, cuidadoso, é um leitor exigente. Aquele que escreve sem comprometimento, sem se preocupar com conteúdo, forma e poder de alcance do texto é um mau escritor. Com certeza, para ele, escrever é fácil. Mas escrever requer muito, em vários aspectos, e por isso é difícil, e também delicioso. É fonte inesgotável de descobertas, o que torna gratificante o esforço. Por essas e outras que a escrita é uma arte e exige muito mais do que inteligência e informação: exige alma.

Alguns são bons com números, outros com letras. Há, é claro, casos em que o gosto por ambos nasce na mesma pessoa. O ideal seria que essa mistura ocorresse em todos. Questão de dom? Nem sempre. É que escrever amedronta, e isso faz com que muitas pessoas não desenvolvam a habilidade da escrita e, como forma de defesa, passem a odiá-la.

Entre os jovens, a escrita aparece como vilã. São poucos os que sentem prazer em escrever, mas é urgente que essa realidade seja mudada, pois escrever, além de fundamental para o desenvolvimento humano, é indispensável em qualquer atividade (tanto formal quanto informal).

Esse distanciamento pode ser atribuído a muitos fatores, mas três deles, intrínsecos, não podem ser ignorados: o brasileiro não lê; o ensino foi precarizado; a escola não colabora.

O número de leitores brasileiros é ridículo quando comparado a outros países. Isso pode ter raízes no alto índice de analfabetismo, em questões sócio-econômicas e, principalmente, em uma questão cultural. Pais que não lêem não conseguem ver importância em incentivar os filhos a lerem. A leitura é o mecanismo usado para cativar e originar novos escritores. Para escrever é preciso “sentir” o texto, e, quando isso acontece, surge a vontade de ir além, que é o que leva a pessoa a se aventurar entre as palavras, buscando superação.

A falta do gosto pela leitura, por sua vez, vem da precarização do ensino e dos conteúdos oferecidos aos cidadãos nos meios de comunicação. A qualidade do ensino oferecido começou a cair quando, depois da ditadura, chegou-se à conclusão de que o cidadão que pensa atrapalha os interesses “maiores”. Com isso, provas e testes antes dissertativos, que exigem o exercício intelectual, o preparo mais aprofundado, foram substituídos por testes alternativos, que diminuem consideravelmente a necessidade de absorção, memorização e atenção. E esse é apenas um exemplo de como agem os mecanismos de proliferação da ignorância. Notícias, informações diversas, programação e lazer cada vez mais pobres em conteúdo são outro exemplo. As pessoas dedicam horas vendo e ouvindo coisas que nada lhes acrescentam. Isso tudo, e mais um pouco, gera a preguiça intelectual, o que faz com que um povo não tenha interesse em aprender e de absorver informação útil, tornando-se cego à manipulação, indefeso diante de injustiças. Afinal, quem não conhece seus direitos não exige nada.

Outro fator que não pode ser ignorado, e muito menos desligado dos anteriores, é a falta de colaboração que nasce na própria escola. Ora, o sistema educativo no Brasil está mais do que desatualizado! Depois de uma certa idade, e de algumas experiências, fica claro como o tempo que passamos na escola é um desperdício de vida. Anos e anos aprendendo uma História que não é verdadeira, uma geografia irrelevante - já que o indispensável não faz parte do conteúdo -, uma gramática fragmentada que só causa traumas. E o ensino da gramática tem muito peso no aprendizado da leitura e da escrita. Professores que exigem leituras extremamente difíceis para uma faixa etária errada, o mal uso do construtivismo e da interdisciplinaridade etc.

Ao causar trauma, a leitura deixa de acontecer, pois, sendo obrigatória, mata todo o encanto. A indicação de um livro errado em um momento errado para um público pouco preparado, faz com que o julgamento do ato de ler seja o pior. E tudo isso se reflete na escrita, que não acontece, que não desabrocha. Por isso, saber usar os mecanismos e fórmulas corretas no ensino é tão importante quanto garantir a qualidade do conteúdo passado.

Escrever exige pensar, raciocinar, avaliar. Exige mergulho de corpo e alma, pois é a soma de conhecimento e vivência. Escrever não é o bastante, porque o mais importante é ser entendido. E o problema do brasileiro é esse: ele não consegue transmitir suas idéias de foma eficiente; ele lê mas não entende, e isso povoa a lista de analfabetos funcionais.

Medidas paleativas não resolvem a falta de interesse e gosto por escrever. É preciso atacar na raiz a causa disso tudo. Fazendo da maneira certa, o mundo maravilhoso da escrita se encarrega das demais transformações.

Comentários

  1. Oi Aliz, obrigado por "fuçar meu blog" afinal, o alicerce da internet é o "fuça-fuça" dos internautas. Também gostei muito do seu blog, e já o incluí nos meus preferidos.

    Abração, e volte sempre !!!

    ResponderExcluir
  2. Boa idéia, vou começar a ler Rubem Alves...Obrigado

    ResponderExcluir

Postar um comentário

É uma alegria receber seu comentário!

As mais lidas