A cobertura insana da TV aberta no dia em que São Paulo parou

No dia 8 de dezembro de 2009 o mundo viu São Paulo parar por causa da chuva. É verdade, choveu muito mesmo, tivemos uma situação atípica causada pelas intempéries da natureza. E foi assim que a 6ª maior cidade do planeta, considera a 14ª mais globalizada e a 10ª mais rica do mundo, frenética e trabalhadeira, se viu obrigada a estacionar, literalmente, dentro e fora da chuva. Quem estava nas ruas não tinha pra onde correr, e quem estava em casa não podia sair. Tanto os carros quanto o transporte público não tiveram condições de levar ninguém a lugar algum.


Mas o que impressionou mesmo foi a cobertura jornalística feita pelo TV aberta. Um caos desse é simplesmente um prato cheio para as redes de televisão, especialmente esses programas matinais que brigam à foice por audiência. Na TV – e nas outras mídias – qualquer desgraça é bem-vinda. Mas mesmo diante de um problema dessa proporção, em que todo mundo não só se interessa, mas precisa de informações, quanto desserviço!


Eu moro no interior mas trabalho em São Paulo, justamente na zona oeste, uma das regiões mais afetadas pelas chuvas. Já estava saindo de casa quando resolvi, do nada, ligar a Tv para minha avó. Foi nesse instante que me deparei com a situação de São Paulo e a dúvida: vou ou não vou?


Ontem, a TV só provou que nada mais é do que um urubu em busca de carniça. Na Record, por exemplo, o Hoje em Dia fez a festa, dando uma cobertura quase “completa”, pelo menos incessante, sobre os problemas. Lá, ouvia-se muito a expressão “um dia de pura prestação de serviço”, como se estivessem fazendo um grande favor aos expectadores ao informar sobre a situação do trânsito. Cada vez que eu ouvia isso, via claramente como eles acreditam que a concessão pública que os favorece não prevê, mais do que qualquer outra coisa, a prestação de serviços. Deu vergonha!


Fiquei percorrendo os canais em busca de informações mais detalhadas, e aí começou a minha frustração. Segundo os próprios jornalistas, havia mais de 60 pontos de alagamento na capital paulista, mas eles só mostravam a Marginal Tietê! Claro, afinal, as proporções ali eram gigantescas, e como eles só prevêem o escândalo, o apelo, exploraram até não poder mais aquele trecho. E os outros? Aquela era uma situação em que os cidadãos precisam mesmo é de informações gerais.


Ontem, quem ficou ligado à TV estava realmente em busca de informações sobre o trânsito e detalhes de outras regiões, não ficar admirando a Marginal Tietê embaixo d’água e um ou outro caminhoneiro que se assanhava, no desespero, a mergulhar. Tudo era notícia ontem, menos o que paulistas e paulistanos mais queriam saber. Isso é cobertura completa?


Pouco foi mostrado da Marginal Pinheiros, por exemplo; mas isso porque ela não estava tão alagada quanto a Tietê, portanto, não fazia tanto efeito na teta. Além de explorarem ao máximo os problemas enfrentados pelos próprios repórteres e apresentadores de programas para chegar ao trabalho, espalharam equipes e mais equipes na Marginal Tietê, em vários pontos, mostrando os mesmo dramas, repetindo incansavelmente o mesmo discurso. Todos os repórteres que entraram, ou apresentadores, faziam questão de dizer que havia chovido mais da metade do que estava previsto para dezembro; todos faziam questão de passar as mesmas informações que os outros tinham passado, naquele mesmo instante, como se aquilo fosse a maior novidade do ano. Por que não espalhar as equipes, não levar informações de verdade a todo mundo?


Depois vem o prefeito Kassab pra irritar ainda mais. Além de filtrar as perguntas que os repórteres faziam, ele só sabia dizer que as obras realizadas pela prefeitura em duas regiões tinham sido muito boas, porque essas DUAS regiões não tinham alagado. Pô! A cidade toda embaixo d’água e ele só ficava falando das duas regiões que não encheram de água por causa das obras dele. Haja paciência! Não que as perguntas dos repórteres fossem lá muito interessantes. Muitos deixaram a coletiva começar para, no papel de jornalistas, descarregar nele a revolta de cidadãos, repetindo irritantemente perguntas que realmente não tinham resposta: “Mas prefeito, a cidade está um caos, o que podemos esperar de São Paulo agora?”. Ah, faça-me um favor! Ele já não estava afim de responder nada, imagine só se ia responder perguntas desse tipo! Nessas horas é preciso atingir o X da questão. Se nem perguntas e nem cobertura os jornalistas sabem mais fazer, o que esperar então desse (des)serviço?


A verdade é que tirando a Marginal Tietê e a avenida Marquês de São Vicente, era impossível, pela TV, obter informações sobre outras regiões. Eu, que queria saber como estava o Jaguaré, a Marginal Pinheiros, Av. Politécnica, por exemplo, fiquei no vácuo. Tive que acessar a internet e ligar para pessoas que eu sabia que estariam nessas regiões para me dizer a situação. Isso, porque depois da chuva de quinta-feira, meu carro encheu d’água e eu não queria aquele prejuízo de novo.


Fiquei realmente frustrada com esse jornalismo maquiado de prestação de serviços que, na verdade, só queria pegar as desgraças mais chocantes ao invés de realmente informar o cidadão, orientá-lo. Por sorte – pra esse pessoal da Tv – uma grávida resolveu entrar em trabalho de parto no meio da enchente, uma gráfica resolveu pegar fogo num local onde os bombeiros não conseguiam chegar, seis pessoas resolveram morrer em deslizamentos de terra na grande São Paulo e algumas outras ocorrências resolveram acontecer, e nós, que precisávamos muito saber como estavam os arredores de onde trabalhamos, ficamos na vontade, porque o sensacionalismo fala bem mais alto do que a responsabilidade e a competência.


Uma cobertura completa prioriza todos, ainda mais em cadeia nacional. Se tínhamos 60 pontos de alagamento, como foi dito, era uma questão de consciência e competência espalhar as equipes nesses locais, ou então providenciar uns freelas, que sempre estão por toda parte, pelo menos pra atualizar as pessoas sobre tais regiões. Essa seria a principal providência.


Imagens, durante toda a manhã, da Marginal Tietê alagada não levaram ninguém a nada. E ainda chamam esse trabalho tosco e capenga, esse discurso vazio e totalmente despreparado, de prestação de serviço! Todo mundo com cara de preocupação, muito penalizados pelas vítimas, repetindo as mesmas coisas e entrevistando incansavelmente os mesmos funcionários da Cetesb e do corpo de bombeiros a cada meia hora, pra repetirem a mesma coisa (em um dia choveu metade do que era esperado para todo o mês de dezembro e blá blá blá), ao invés de, por meio de uma informação responsável e útil, evitar acidentes, colocando as pessoas a par da situação em todas as regiões de risco.


Dá medo, e pena, desse tipo de jornalismo. Quanta gente despreparada! Quantos pseudo privilegiados ocupando o lugar de profissionais que realmente poderiam somar. Eu via um bando de reportes ávidos por qualquer coisinha que significasse um furo: um caminhoneiro que atolasse no meio da água, alguma senhorinha que resolvesse atravessar a Marginal a nado, sei lá... ontem, qualquer bobeira era assunto para a “grande” cobertura deles. Mal sabiam que o grande furo jornalístico, o grande diferencial, estava justamente em tudo aquilo que eles ignoraram; estava no básico que todos precisavam saber, mas que na concepção deles não dava Ibope.

Comentários

  1. Aliz,

    Grande artigo o seu, gostei, essa da "teta" foi ótima...

    "Pouco foi mostrado da Marginal Pinheiros, por exemplo; mas isso porque ela não estava tão alagada quanto a Tietê, portanto, não fazia tanto efeito na teta"

    Aliz, sempre foi assim, lembra a queda do Avião da Tam? Lembra o caso Nardoni? A Rede Record é mestre nisso. Datena nem se fala.... São pura apelação, se a gente quiser usar as ditas como informação estamos perdidos. Como você mesmo ficou, teve que recorrer com as pessoas que você conhecia nas regiões afetadas pela aguaceira....

    Como sempre, gostei de mais esta ótima publicação.

    Abs

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  2. Grande Aliz,


    Não em São Paulo a desinformação se faz presente nos momentos de dificuldade coletiva. Acontecem coisas na cidade que a Globo não mostra, ficamos sabendo pelo rádio. As outras TVs, por serem em São Paulo, focam apenas São Paulo que pouco ou nada interessa a nós cariocas. Agora que a Record está se voltando mais paro o Rio de Janeiro, mas mesmo assim timida mas bem mais presente que a Globo.
    È, a grandiosa São Paulo está começando a pagar a insanidade do progresso que a fez crescer defecando e preambulando para a natureza, para o caminho das águas, canalizando rios ali, arterrando ali, desmatando muito, poluindo muito em fim, a insanidade paulistana em busca do progresso, do dinheiro, hoje proporciona a si mesmo a crucificação.
    È simples, é só não terem bloquiado o caminho das aguas. Cadê o Anhangabaú, não era um rio no centro de São Paulo? Ainda existe? Nossa, esta cidade está realmente virando um caos.
    Agora, solucionar é difícil, vai requerer um grande esforço de engenheiros, arquitétos, geólogos, pais de santo e o escambal. A culpa é da Natureza? A Kassab, é sim da natureza de milhares e milhares de ganaciosos e despreparados senhores que vem construindo esta mega cidade em busca de fortuna.
    Será que São Paulo não pode parar?
    Pode sim, e parou nas águas, no dia de Oxum, Nsa da conceição, senhoras das águas doces, da chuva.
    Não busquem culpados, agora é buscar soluções. Cursos de canoagem e corredeiras é importante.Distribuir salva vidas e boias também será um caminho.
    Ou São Paulo para e se acerta nesta briga boba entre a cidade e as chuvas, ou em breve teremos cituações bem piores.
    Aqui no Rio, a mesma coisa. A anos que a Praça da Bandeira. ali antes do Maracanã vira um rio em frente ao quartel dos bombeiros exatamente a CIA de SAalvamento. E ninguém fez nada alem de passarelas. A Av. Brasil em determinados pontos viram lagos a anos e nada é feito. A rede pluvial do centro é do tempo da fundação da avenida, e nadfa é feito. tentam de tudo mas fazer um estudo do caminho das águas ninguem faz, descobrir para a onde a agua corre e desobistruir o caminho, ninguem faz.
    Então glub glub megalopolis.
    Aqui, quando tem enxente, a lagoa transborda e abrimos a barra no muque, mas, em uma região proxima da qui, não obedeceram o famoso caminho das águas e a explosão imobiliária se fez e quando chove, temos mais um lago articficial para apreciarmos. Saslvamentos de Jet Ski, bpote e casas fantasticas sendo vendidas a preço de banana.
    Pagamos o preço.

    Deus te ajude,

    Minha amiga.

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  3. Minha prezada Aliz.
    Mas é assim mesmo; eventos normais não tem valor jornalístico. Dizem os entendidos que; cachorro morder o homem não é notícia, o contrário sim; o homem morder o cachorro dá manchetona.

    Há quem garanta que os Americanos foram derrotados na guerra do Vietnã, não nos campos de batalhas, mas pela mídia que, a partir do final dos anos 60 passou a mostrar imagens diretas dos combates sangrentos e de corpos humanos sendo estraçalhados por bombas nos arrozais do sudoeste Asiático.
    A sociedade Americano passou a ver entender, a partir de então, o que é, de fato, os horrores de uma guerra. E exigiam a retirada imediata dos seus concidadãos daquela carnificina.
    Não é?

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