O escrever jornalístico
Estou em crise com as revisoras! Vivo em guerra com elas, que não compreendem a abrangência da linguagem escrita no trabalho jornalístico. Elas, que tiram todo o rebolado do texto, que decepam os bracinhos abertos e aconchegantes de uma redação espontânea, baseada no realismo cotidiano, aquela que vem com expressões e um ritmo tão íntimos que levam o leitor a sentir, a se identificar e a se tornar íntimo mais do que o meramente entender.
O jornalismo audiovisual pode contar com aquele algo mais que, sem dizer diretamente, transmite muita coisa. Entonações da voz, expressões faciais, o próprio ritmo do orador complementam a informação de um jeito mágico, e tudo isso garante o sucesso da TV, do rádio e de outros meios audiovisuais que não param de surgir. Mas e o jornalismo escrito?
Em se tratando de jornalismo, ainda acredito que os meios escritos são a maioria. Isso, no entanto, não quer dizer que sejam os preferidos, mas quando as pessoas querem saber mais e buscam mais detalhes, vão direto aos meios impressos, por exemplo. Além disso, com o crescimento da Internet, e por mais recursos que ela traga, a escrita predomina. São palavras e mais palavras compondo uma quantidade infinita de informações. Mas bem que essas informações poderiam ser mais “gostosas” de ler, não é?
Culpa das revisoras! Editores escolhem expressões, limam a matéria da gente, é verdade, e por mais que nos doa no coração cada corte e mudança, são audácias jornalísticas. Mas nada dói mais do que uma mudança violenta que acaba justamente com a simpatia, a proximidade entre a reportagem e o leitor, que tira toda a fluência do texto para padronizá-lo, torná-lo quadrado e impessoal. Ora, eu sou leitora também, eu conheço a diferença, eu sei como eu gostaria de me sentir quando estou lendo e sei que, quando sinto o texto e mergulho nele, é porque me tornei parte daquilo, me vi nele. Isso, além de facilitar o aprendizado e a absorção do conhecimento, faz com que aquele material deixe de ser apenas um amontoado de palavras cravadas no papel e se torne uma boa conversa.
Existe uma idéia muito simplista e burra de que jornalista é aquele cara que escreve bem, e que isso basta para se tornar um. Os jornalistas [verdadeiramente leais à profissão] sabem que isso não é verdade, pois seriam incapazes de limitar a esse ponto uma profissão tão diversa e abrangente. Mais do que escrever bem – e escrever bem não é apenas escrever corretamente -, o jornalista tem os seus cinco sentidos muito apurados. Antes de ser um jornalista, ele tem de ser um humanista, e só isso já dá a ele um tipo de visão além do alcance (sim, algo sobrenatural, ele é um tipo de mutante daqueles com poderes telepatas – viva os X-Men!!!). Ele sempre vê um algo mais, fuça por trás do óbvio, ele sente, busca, interioriza.
Mas isso não é o principal, já que, sendo um humanista, ele tem o dever de entender as pessoas em seus diferentes níveis e posições, os porquês de tais classificações e hábitos/crenças, a identificar seus anseios, aquilo que lhes sobra e que lhes falta, as carências de cidadão, de membro de determinada sociedade que é exposta a determinadas situações que nem ele sabe por quê. Entre tantas atribuições, é responsabilidade do jornalista zelar pelo conteúdo, mas também pela forma como ele é passado. Pode ser que, ao consumir uma reportagem, o próprio leitor não saiba os motivos que o fazem parar, mas ele sempre sabe o que o fez continuar até o fim, e é justamente aí que eu quero chegar.
Mais do que escrever corretamente, é preciso escrever “gostoso”, daquele jeito que a pessoa se sente inserida. Escrever assim vai muito além da norma culta, pois não estamos falando aqui de uma redação de escola e nem de um relatório de fábrica. Estamos falando de uma comunicação produzida por um humanista e que será destinada a muitos seres humanos que só querem ser bem informados, mas de um jeito que não lhes pese e não lhes doa. E não é exagero meu. Uma escrita quadrada, padronizada, torna-se chata e ineficaz, pois irrita o leitor, cansa, é enfadonha. E irritá-lo já é demais, mas como se não bastasse, um texto assim não consegue cumprir completamente sua missão de acrescentar à vida de quem está ali, do outro lado.
Manuais de redação e regrinhas fúteis prejudicam o texto jornalístico sim! Tiram a liberdade de quem escreve, e com ela, o prazer de construir através de palavras. Mas o prejuízo não é apenas do profissional, já que, como dito ali em cima, não dá ao público o tratamento que ele merece e não se entrega como poderia. Cria-se um distanciamento absurdo, é uma verdadeira falta de solidariedade e de gentileza, uma vez que não inclui o seu público-alvo no que é feito exclusivamente para ele. Quando você escreve de uma maneira dura, automática, respeitando apenas as regrinhas do idioma e esquecendo dos tantos encantos que ele tem, você se torna um redator grosseiro e egoísta. O que há de errado com as subjetividades, que as vezes são tão mais esclarecedoras?
Não vejo problema em fazer o leitor sentir que você está ali do lado, se dispondo a sentar com ele e papear, a oferecer sua amizade, um tipo de companheirismo. Mas isso só é possível quando se pode escrever com liberdade, sem preconceitos lingüísticos, se permitindo usar aquelas expressões simples que todo mundo entende e se familiariza, uma brincadeirinha parágrafo aqui, frase ali, ou seja, abrindo exceções aceitáveis dentro de uma escrita bem feita. E é isso que as revisoras não entendem. Escrever certinho não é tudo, é preciso mais do que isso, é preciso unir o correto ao agradável, a todas as possibilidades que as letras proporcionam. O Novo Jornalismo é prova disso. O namoro entre o informativo e a literatura está voltando nesse modelo porque as pessoas não estão mais suportando a informação massificada, encaixada, do jeito que as revisoras e professoras de Língua Portuguesa gostam.
Elas mexem no título, o principal cartão de visita de uma matéria, simplesmente porque aquela palavra não é lá muito “apropriada”, usual, ou porque a construção não é a ideal dentro da norma culta, por mais bem-sucedido que o título violentado seja. Elas tiram o balanço do texto, aquelas expressões simples, bem casuais que dão um toque especial, que transformam a informação em diálogo. Elas não toleram bom humor textual, nada daquilo que traz um aconchego maior à oração e que, sem dizer, dizem: “hei, por trás dessas palavras tem alguém igual a você, que vive no mesmo mundo e passa pelos mesmos conflitos”. Sem isso, o jornalismo escrito só vem perdendo cada vez mais. Na tentativa de ser o mais fiel possível à fala, a gramática limita o poder da linguagem escrita.
Que fique claro: eu não estou defendendo um texto cheio de erros e absurdos e nem querendo o fim das revisoras. Nós precisamos delas, mas não custa nada ser um pouco mais cúmplice da comunicação social, compreendê-la melhor. Sou contra palavras chulas, expressões de mau gosto, vulgaridades, da mesma forma que abomino a escrita excludente, aquela que não é feita para ser entendida por todos (os textos anti-democráticos), como o juridiquês, o economês e o intelectualês, por exemplo. Essa minha invocação com as revisoras se pauta, basicamente, no fato de estragarem muitos textos por serem, na maioria das vezes, inflexíveis e um tanto desumanas. Elas não abrem a mente para o alcance da informação e para a eficiência da comunicação – preocupação de todo bom jornalista - tudo porque sorrir durante um texto não se encaixa no estilo dos livros antipáticos de gramática.
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