Desabafo de uma jornalista apaixonada


Esses dias, um amigo meu, Érico San Juan, me fez acordar para os meus próprios sonhos, por meio de algo que havia escrito, no dia 6 de janeiro de 2010, no meu Boteco Virtual - o Boteco do Balaio. Nesse dia, meus amigos da lista de discussão estavam debatendo sobre a grande mídia e a forma como usa o poder que tem para influenciar as pessoas de acordo com seus interesses. Cada veículo defendendo o seu. Foi então que eu escrevi um desabafo. Ao reler o que escrevi, graças ao toque dado pelo Érico, voltei no tempo e nos meus próprios sentimentos, que andam relegados devido a uma série de fatores. Bem, o fato é que reli o texto e recuperei algo que havia perdido. Esperança, talvez? Não sei... mas isso me devolveu a chama da motivação.

Resolvi postá-lo aqui no blog. Ideologia não faz mal a ninguém, não é mesmo?

Segue o texto na íntegra:

Ontem, no Balaio, o Kotscho perguntou: O que você faria com os R$ 72 milhões do jardineiro Adolfo? http://colunistas.ig.com.br/ricardokotscho/2010/01/05/o-que-voce-fari...>
Eu respondi: 

Kotscho, se fosse eu a ganhadora... ahhhhhh… EU IA SER JORNALISTA EM PAZ! 

Como não iria mais precisar me preocupar com grana, contas e essas torturas capitalistas, daria um pé no corporativismo e seria livre, escreveria só sobre coisas em que eu acredito e nunca mais seria refém de emprego nenhum, de editor nenhum. Seria uma jornalista realizada e realmente cumpridora do meu dever social! As preocupações nossas com dinheiro nos escravizam demais. Vendemos barato o que temos de mais valioso: nosso tempo; e vemos ser desperdiçado, mal usado, o que nos é tão caro: o talento. 

***
Lendo o que os meus amados botequentos debateram sobre o jornalismo, especialmente Enio e Benê, e agora, fresquinho, o Simei (beijo, Simei!) senti ainda mais certeza do rumo que estou tomando. Não me arrependo! Mas preciso colocar aqui as minhas motivações de jornalista, já bem expressas na opinião que postei no Balaio. 

Gente, vocês sabem do amor que eu tenho por essa profissão, e não há nada que eu queira mais na vida do que ser jornalista até morrer, viver disso e só disso. Mas não é fácil. Nunca quis escrever para jornais diários, por isso jamais enviei currículo a qualquer um deles. Acho que se fosse fazê-lo, enviaria a algum jornal pequeno, de bairro mesmo, por obediência à minha consciência. Sei que se eu conseguisse um emprego na Folha ou na Veja, por exemplo, isso daria um grande peso ao meu currículo e um importante impulso profissional à minha carreira, mas também me tiraria a sensação valiosa de consciência tranquila. Se eu quero exercer a profissão para cumprir com o papel social que ela propõe, como fazer isso em veículos desse tipo, que fazem o que fazem? 

Bem ou mal, por sobrevivência ou não, quem entra num lugar desses veste a camisa, não tem jeito, se torna aliado. Então, se é uma questão de realização profissional, acho que me sentiria mais realizada escrevendo em um jornal de bairro, mas que publica a verdade e presta, de fato, um serviço útil, do que me deixar dominar pelos ideais de um Frias Filho da vida. Se um dia a Folha teve alma - e eu acho que já teve - foi antes dele chegar. A Veja nunca teve. E muitos outros veículos de comunicação que temos aí também não. A partir do momento que se tornam armas nas mãos de políticos e grandes empresários, os jornais jogam no lixo o ideal jornalístico e quem aceita fazer parte disso também. Quem é que coloca a mão na massa? 

Quem leu o livro do Kotscho, “Vida de Repórter”, conhece exemplos mais do que suficientes. Eu leio de tudo, converso com muita gente e pesquiso demais, sei muitas outras coisas que desvirtuam o jornalismo em que acredito. Entendo o Benê quando defende a classe, acho que falta união entre os jornalistas, que só sabem envenenar-se e disputar sei lá o que. Mas entendo mais ainda o que diz o Enio e o Simei. Sei que eles não fazem pouco dos trabalhadores da notícia, mas foram muito realistas ao apontarem o erro que cometem os jornalistas quando se vendem assim. E é puro conhecimento de causa! 

Mas é realmente muito difícil. A gente quer exercer a profissão, mas também queremos nos sustentar dignamente, e as obrigações da vida são cada vez maiores. Temos que comer, vestir, manter a casa, o carro, e convenhamos: embora o jornalismo seja uma profissão essencialmente humanística, é, por outro lado, uma escolha complicada para aliar à vida prática de forma completa. 

Quando eu me formei, fui sendo conduzida pelas oportunidades que apareceram, eu não podia desperdiçar nada, já estava difícil e eu não tinha com quem contar. O que uma menina do interior, sem dinheiro nenhum, vista como caipirona por todo mundo aqui de SP, e sem contato nenhum pode fazer? Mas trouxe na mente uma coisa que um querido professor da faculdade disse: busquem um lugar ao sol, mas em mídias que condizem com os princípios de vocês. Bem, se eu investisse na grande mídia, como é  sonho de 99% dos estudantes de jornalismo, eu estaria contrariando meus princípios porque não concordo com o que é feito. Há exceções, sempre, e nesses eu sempre estou tentando entrar, mas...

Hoje, considero que até tive sorte. Eu não tinha expectativa nenhuma, não conhecia ninguém, apenas tinha uma vontade e muito empenho, mais nada. Estou no comecinho ainda, dando os primeiros passos na profissão, mas me orgulho de tudo o que fiz até agora, porque tenho aprendido pra caramba e nunca vi textos meus serem manipulados de uma forma que fira os meus princípios. Tive sorte porque fui sendo levada a uma nova área para os jornalistas, que nada tem a ver com grande imprensa, mas que possibilita um exercício amplo, já que no jornalismo institucional se faz um pouco de tudo e tem que ser pau pra toda obra. Realmente gosto de trabalhar com comunicação corporativa, e mesmo que tenha de obedecer uma linha fechada e que muito se confunde com marketing, considero mais honesta do que esses metidos da grande imprensa.

Todo mundo julga jornalistas institucionais ou assessores de imprensa, não consideram esses profissionais realmente jornalistas, mas vejam, o pessoal dos jornais e das revistas depende diretamente desses comunicólogos atrás das câmeras. Quem vocês acham que pautam eles? Quem consegue as fontes? Quem mastiga todo o trabalho? Quem viabiliza tudo? É esse pessoal diminuído e discriminado que não trabalha na grande imprensa, mas que tem um jogo de cintura incrível, que aprende a lidar com gente, que entende de comunicação de uma forma muito mais abrangente. Se eu sair da empresa hoje, eu me viro em qualquer lugar, inclusive diante desse novo cenário que se descortina para os jornalistas. 

Hoje, o mundo não precisa mais de jornalistas, precisa de especialistas em comunicação, e é isso que eu tenho me tornado dia a dia. Mas um jornalista que só trabalhou em redação não aceita isso, vocês podem ver como eles são conservadores e morrem de medo das mudanças. Isso, porque eles simplesmente não sabem fazer outra coisa, não sabem fazer de outro jeito, foram domesticados para o lead. Ora! Nem as matérias interpretativas ou as entrevistas hoje satisfazem mais os leitores! E ninguém se toca? O mundo está mudando e esse pessoal continua usando a mesma fórmula e acreditando nas mesmas coisas de 100 anos atrás! Continuam motivados por raiva, preconceito e sede de poder. Esses, se jogados no novo mercado de trabalho que exige, mais do que nunca, comunicólogos preparados, ficam perdidos, porque só sabem fazer uma coisa, de um jeito só.

Eu trabalho para um grupo privado e tenho que dançar conforme a música deles, como ocorre com qualquer trabalhador de carteira assinada - e como ocorre com todos os jornalistas de qualquer veículo famoso também. Esta é a terceira empresa que eu trabalho desde que me formei, há 4 anos, sem nunca sair da área que escolhi, sem nunca deixar de exercer o jornalismo, e mesmo com todas as dificuldades e as limitações, sinto que faço um trabalho mais honesto porque qualquer pessoa que leia as matérias que fiz dentro dessas empresas saberá dos meus objetivos; na grande imprensa, é tudo mascarado, é tudo vendido como serviço social mas com propósitos bem particulares e escusos. Será que há tanto mérito assim nisso? 

Os próprios jornalistas estão acabando com o jornalismo. Nós temos, sim, total culpa disso. Porque achamos que temos o direito de julgar, que a nossa opinião é importante, que a notícia tem que ser interpretada de acordo com as nossas crenças. Os jornalistas entraram nesse esquema pérfido das empresas de comunicação, ignorando a responsabilidade que têm nos ombros! Somos responsáveis pelo que chega às pessoas, mas principalmente pela forma como isso será interpretado por elas e na crença que isso vai gerar. Olha que perigo! Conduzimos um contingente imenso de mentes, e não pensar com cuidado e responsabilidade no resultado disso depois que chega a elas, é ser culpado por grandes catástrofes sociais, pelo desrespeito a muita gente que é julgada sem provas, pela energia que polui a fé das pessoas no seu país, nos seus semelhantes, no seu planeta. 

É por causa disso que eu ando na contra-mão do que é considerado jornalismo de verdade aqui no Brasil. Pra mim, isso não é jornalismo e ponto! É por isso que adoto, conscientemente, outra linha. Porque antes de ser jornalista, eu sou gente e sou cidadã, e faço apenas aquilo que vá ajudar, ou, na pior das hipóteses, não atrapalhar. Hoje temos uma nação sofrida, pessimista e amargurada, e nem sempre a culpa por isso é política. Eu julgo que a maior culpa por estarmos, ainda, tão despreparados politicamente, economicamente, juridicamente, é da mídia, que ajudou, junto com igrejas e monopólios, atrasar o Brasil. Eu não quero fazer parte disso e apoio Enio e Simei, mesmo sendo jornalista. 

Sei que um dia o sol vai brilhar para o meu lado, profissionalmente falando, e esse dia está chegando graças as mudanças que estão ocorrendo e fazendo um rebuliço no meio jornalístico. E esse meu sonho inclui trabalhar para elevar as mentes, para tornar as pessoas mais preparadas, para prestar um serviço verdadeiro. Educar é função da mídia, mas por enquanto não é isso que ela está fazendo – pelo menos não os veículos de maior circulação e visibilidade. Graças a Deus já temos a internet, e é ela que vai ajudar nesse processo que já está em curso, finalmente.

Comentários

  1. Oi Aliz, sei bem o que você sente. Acabei de me formar em jornalismo, cheia de sonhos e ideias para mudar o mundo! hehe. Mas a realidade não é essa e nem o jornalismo é o que nós acreditávamos que era enquanto estudantes.

    Eu estou tentando fazer uma página para esses desabafos, no facebook. Dá uma forcinha pra gente!
    http://www.facebook.com/JornalistasExplorados?ref=ts&fref=ts

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