Bullying: estão esquecendo o principal


Outro dia cobri uma palestra sobre Bullying: o assunto da moda na educação. A palestra foi ótima e o assunto rende, como temos visto em todos os meios de comunicação, nas escolas, nos livros etc. No entanto, por mais abrangente que tenha sido, foi mais uma que não chegou no ponto central da questão. Acho que relativo a isso, estão esquecendo o principal.

Não questiono a necessidade de trabalhá-lo e discuti-lo, principalmente entre as crianças. Pra mim, o Bullying é como o preconceito racial: nasce da intolerância, que nasce da ignorância, que nasce da falta de amor ao próximo. E claro, de uma grave deficiência em exercer a igualdade – tão intrínseca ao humanismo. 

A palestrante mencionou os dois principais aspectos do Bullying, e que são os mesmos martelados por todo mundo: ele é problema pra quem sofre e pra quem pratica. Isso, porque existem, segundo os especialistas – e a gente sabe que é mesmo – indícios de que toda pessoa que pratica atos extremistas e chocantes, que contrariam a civilidade e o respeito ao próximo, está, sem querer e até saber, utilizando a maldade para manifestar algum conflito interior que necessita atenção e tratamento. Ninguém, em sã consciência e no seu estado emocional perfeito, sai por aí agredindo seus semelhantes gratuitamente. O que ela quis dizer é que a criança que pratica o Bullying, se não devidamente acompanhada, certamente será um adulto problema, um possível pária da sociedade. Faz todo sentido.

Ok. Até aqui tudo bem. Também já sabemos que a criança vítima de Bullying sofre muito, e geralmente calada, o que gera trauma, complexo e depressão. Esta, por sua vez, pode levar até à morte. 

Tanto um quanto o outro necessitam tratamento. Mas o que me intriga nisso tudo é: e a autoconfiança?

Na minha concepção, o desenvolvimento de sentimentos como a autoconfiança, a segurança interior, o amor próprio, é a chave para resolver esse problema. Só vejo educadores, psicólogos e demais engajados no assunto venderem deficiências, insuficiências, propagarem ainda mais essa propensão ao trauma e ao complexo, ao sentimento de inferioridade. Por que não ensinar as crianças a gostarem do que elas são, de dentro pra fora mesmo, e a defenderem esse direito supremo que todos nós temos: sermos aquilo que quisermos ser, independente das convenções sociais? Ora, são essas mesmas convenções que dão munição para a prática de violências como o Bullying. 

Não entendo por que, ao invés de convencer o gordinho que ele é mesmo um coitado, alvo fácil de meninos e meninas maldosas que se aproveitam de sua “condição” para se tornarem populares e se sobressaírem diante dos demais, que ele não é defeituoso, que nada nele é anormal e que ele deve, sim, se impor. Vale o mesmo pro baixinho, pro magrelinho, pro deficiente, pra quem for. 

O que está faltando é ensinar pra criança, desde pequenininha, a se amar e a se impor diante de quem quer que seja. Em qualquer lugar e em qualquer idade ela irá encontrar pessoas que se destaquem por algum motivo, mas ela tem que saber que também pode se destacar naquilo em que quiser, basta se dedicar e saber dar-se o respeito.

Conheço inúmeras pessoas que tinham tudo pra ser alvo do tão famoso Bullying, e que certamente foram, embora nem soubessem na época. A diferença sempre esteve na postura delas diante de cada situação imposta. Aceitar ou não como ofensa? Encarar ou não como humilhação? Eu sou isso ou sou mais do que essa pessoa consegue ou quer ver? O que eu decido agora? Com inteligência e tato, a pessoa pode reverter a situação a seu favor e, ainda, divertir-se com ela. Tudo depende de como ela reage, e isso se aprende.

O time aí de cima é formado por pessoas conscientes de suas carências e deficiências, mas igualmente seguras de seus talentos, qualidades e potencialidades. Elas observam essa mistura considerada discrepante por muitos com naturalidade, como deve mesmo ser. Mas acima de tudo, são pessoas dispostas a olhar o outro com tal amplitude, que conseguem até entender o que o leva a agir de tal forma e o que o impede de ver algo de bom em quem está ao redor. Portanto, ela entende que o defeito não está nela, mas nesse tipo de ação. 

E não venha me dizer que as crianças não têm preparo e nem condições para aprender isso devido a imaturidade, porque é mentira. Essa predisposição, apesar de íntima, psicológica e até espiritual, precisa ser resgatada e treinada, o que acontece através da ajuda de pessoas sábias. E é coisa que se aprende, sim, e desde muito cedo. Aliás, o ideal é aprender cedo, porque quanto mais velho, mais difícil fica lidar com as aflições que nos tolhem a ousadia conforme o passar dos anos. E defender-se dessa forma exige muita ousadia. 

E é de gente com essa força interior, com esse preparo pra lidar com o desconhecido e com o imprevisto que habita no outro, com AUTOCONFIANÇA e AMOR PRÓPRIO, que o mundo está precisando para se curar dessa epidemia de insegurança, medo e autopiedade. Sei que os coitadinhos que sofrem com os apelidinhos, as chacotas, que apanham dos grandalhões e tudo o mais, e até os próprios algozes desses, têm garantido o sustento de muitos profissionais da saúde psíquica, mas eu estou falando de um problema crônico que não pode mais ser tratado dessa forma tão superficial. Ora, os aproveitadores apenas se sobressaem em cima daqueles que realmente se sentem inferiores, e isso independe de estatura, peso, aparência. Depende apenas de COMPORTAMENTO e autocensura. 

Mas como esperar que haja tantos pais, professores e guias sábios o bastante pra passar isso às crianças que estão à sua volta, desde pequeninos, se temos aí uma multidão de herdeiros desse estigma do coitadinho? E com o aumento das discussões sobre o Bullying atualmente, mas nesse formato deficitário, inconsistente, a tendência é que cresça ainda mais o número de adultos intimamente mutilados pelos tão lucrativos traumas e complexos. Mas até quando o mundo vai lucrar com a própria degradação? 

Quando as pessoas desenvolverem essa capacidade de amarem a si mesmas, com suas imperfeições e tudo, simplesmente porque sabem o valor que têm, então problemas como o Bullying virarão história e até a igualdade começará a ser praticada com naturalidade, afinal, aquele que se avalia com humildade e tranqüilidade suficientes para detectar, conscientemente, sua unicidade, invariavelmente conseguirá olhar para o outro com mais compreensão e humanidade. Num ambiente (corpo) desse, todo tipo de abuso torna-se impraticável porque não encontra espaço e nem porquê. 

Só espero que esse apontamento que acabo de fazer não seja encarado como idealismo, romantismo e nada do tipo, que geralmente são vistos como coisas impraticáveis. Esse educar interno sempre foi necessário e há exemplos por aí. Certamente você deve ter lembrado de alguém ou até de você pelo menos em algum momento da vida em que sua autoconfiança o salvou de alguma forma (oxalá). E como é bom conviver com gente assim! Como faz bem tê-las por perto! O fato é que o momento é mais propício do que nunca para praticá-lo com as crianças. 

Não basta ensiná-las o que é Bullying e porque ele é ruim, mas elas têm que saber que podem se defender desse tipo de violência com recursos próprios e muito mais poderosos do que as parcas opções que lhes têm sido apresentadas. Tão poderosos que, ao praticá-los, sua imposição servirá de exemplo pra qualquer um: pro coitadinho e pro malvadão, que, aliás, nunca mais ousará contra ela. E tudo sem violência, sem revanchismo, sem ameaça, sem interferências externas e punições, apenas com a certeza de que ninguém tem o direito de decidir e determinar se ela é suficientemente boa ou ruim, a não ser ela mesma.

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