Paisagismo: o florescer de uma profissão

Até nos sonhos mais românticos a paisagem principal é a de um jardim, rico em cores e pureza. O próprio paraíso, constantemente idealizado por artistas, poetas, cineastas, é representado por meio de imensos jardins verdes, desenhados por flores, enfeitados por pássaros, denotando a inquestionável predominância da natureza. Talvez na realidade do dia-a-dia a visão sobre as paisagens que nos cercam não seja tão romântica assim, mas é fato que o reconhecimento dessa necessidade pelo que é natural vem crescendo. A prova disso é o espaço cada vez mais conquistado pelos Paisagistas, profissionais que dedicam-se a desenhar e contemplar a natureza por meio de seus jardins.


O paisagismo não é uma profissão nova. O projeto paisagístico estabeleceu-se realmente no Brasil por uma ação do Imperador Dom Pedro II com obras como a dos parques São Cristóvão, São Clemente e Campos de Santana, no Rio de Janeiro. Mas é na década de 30 que a atividade paisagística começa a “florescer” no Brasil, através do trabalho revolucionário de Roberto Burle Marx, paisagista autodidata, mundialmente consagrado por suas obras inovadoras e por seus múltiplos talentos, pois era também artista plástico, arquiteto, designer, pintor e tapeceiro. Burle Marx não tinha diploma, mas no meio paisagístico é considerado o maior Arquiteto Paisagista do século 20. Sempre associando seu trabalho à arquitetura, não há como deixar de citar a parceria de Burle Marx com Lúcio Costa e Oscar Niemayer, conhecidos como arquitetos revolucionários. Juntos, marcam a modernização da arquitetura brasileira.


O paisagista é considerado um artista da natureza. É ele quem faz o planejamento de espaços públicos, como praças e parques, além de atuar em residências e empresas privadas, criando jardins e áreas verdes em setores urbanos, rurais, recreativos e ecológicos. Para a arquiteta paisagista Maria de Fátima Francisco, há 15 anos na profissão, “Paisagismo não é modismo, tem que ser trabalhado junto com a arquitetura”. Ela defende que esse trabalho consiste em analisar uma série de itens para se obter bons resultados. Seguindo a mesma linha de pensamento, a também arquiteta paisagista Maria Rosângela de Oliveira Saad, 25 anos de profissão, diz que construção e paisagismo representam algo que deve ser trabalhado e formulado em conjunto: “o Paisagismo é a roupa da casa”, afirma.


O paisagista, profissional empenhado em defender a ecologia e a melhorar a qualidade de vida, não pode ser confundido com jardineiro, o que é muito comum. O Paisagista não só enfeita o mundo criando belas paisagens, mas pode atuar em projetos de restauração e preservação, pois sua atividade depende de conhecimentos técnicos de desenho, botânica, agronomia e engenharia florestal. “Jardineiro não é Paisagista. Jardineiro planta, o Paisagista elabora todo o projeto e analisa as condições”, diz Rosângela. Maria de Fátima defende: “É preciso gostar e ter critérios, o paisagista não pode ser confundido com jardineiro jamais”.


A maioria dos profissionais em paisagismo são autônomos e contam com o apoio da Associação Nacional de Paisagismo – ANP-, fundada em 1995 com o intuito de desenvolver e valorizar a atividade paisagística no Brasil. Existe, ainda, a polêmica sobre a regulamentação da profissão, já que a Organização Internacional do Trabalho reconhece as profissões de Arquiteto, Urbanista e Arquiteto Paisagista como independentes. A questão é intensamente discutida em Congressos e Organizações envolvidos com a atividade. A grande preocupação é criar órgãos reguladores e fiscalizadores que garantam a qualidade do profissional que atua na área e dos serviços prestados à sociedade. Cláudio Fernandes, Engenheiro Agrônomo que atua há 8 anos como paisagista diz que “profissionais não graduados incomodam quando deixam de mexer com ornamentação para tratar também de manutenção e técnica, entendidas apenas por profissionais graduados”. Raquel de Toledo Barros Baeta, paisagista há 14 anos, não é graduada, mas o gosto por plantas a fez procurar cursos de paisagismo. “Não mexo com edificação, só com a parte de jardinagem”, declara. Apaixonada pela profissão, Raquel valoriza muito o contato com a natureza: “o que procuro fazer é copiar o que tem na natureza”, esclarece.


Existem vários cursos e especializações em Paisagismo, mas a preocupação de quem defende a regulamentação reside no fato de existirem muitos cursos de curta duração descomprometidos com a real responsabilidade do Paisagista, habilitando muitas pessoas de forma inadequada. “Paisagismo agora é moda”, diz Raquel, e continua: “hoje existem mais comércios com espaços específicos para jardinagem”. Para Maria de Fátima, o crescente número de profissionais sem nível universitário torna a concorrência desleal, pois estes “cobram valores fora da realidade porque não oferecem o mesmo serviço”. Já Rosângela acha que a falta de informação e conhecimento mais aprofundados sobre a atividade, faz com que as pessoas não a valorizem e, consequentemente, não entendam a utilidade de um projeto paisagístico fundamentado nos conhecimentos técnicos: “as pessoas não têm uma cultura paisagística”, desabafa. Ela ressalta que o ideal é que o paisagismo acompanhe o processo de construção para que haja harmonia, mas geralmente não é o que acontece: “dentro da construção o paisagismo é a pior área, porque é deixada em último plano, geralmente quando a pessoa já gastou demais e não tem mais dinheiro”, esclarece. Cláudio não acha que a atividade seja pouco divulgada, mas que o mercado é muito restrito, porque “o cidadão comum não pensa em paisagismo”.


Problemas como falta de fornecedores que produzam quantidade e qualidades de plantas diferentes também é uma queixa: “assim fica difícil inovar”, diz Fátima. Além disso, e da falta de conhecimento das pessoas, Cláudio fala da dificuldade em formar mão-de-obra especializada, já que “profissionais que entendem são poucos, e por causa do grande numero de profissionais não especializados é preciso trabalhar com uma margem de lucro muito baixa”.


Embora o número de paisagistas não graduados esteja aumentando, e alguns casos representem ameaça aos princípios da profissão, há o indicativo de que o paisagismo está crescendo e conquistando espaço, já que cada vez mais os habitantes das grandes cidades fogem para o interior em busca do verde e do ar puro. Têm crescido também os espaços específicos para venda de artigos para jardinagem, bem como a criação de programas de computador próprios para projetos paisagísticos. Esse aumento mostra que, cada vez mais, pessoas sentem a necessidade e a utilidade do trabalho desses artistas naturais. “O paisagismo está se popularizando mais graças a Deus”, diz Raquel com alegria. Independente do “modismo”, como Fátima se refere aos cursos de curta duração, “sempre tem serviço”, declara. Cláudio também atribui a maior procura ao aumento no número de condomínios fechados, “onde as pessoas, por estarem ‘presas’, sentem mais a necessidade do contato com a natureza”.


Junto com o crescimento, floresce o encanto dessa profissão tão criativa e espontânea, que, mesmo com algumas dificuldades, é formada por peculiaridades poéticas. O Paisagista não apenas enriquece a paisagem, mas influi na qualidade do ar, do ambiente e da vida. “O paisagismo é vivo, serve para renovar o ar, atrair pássaros...”, diz Fátima, satisfeita, que acrescenta: “mexer com plantas ajuda até a curar doenças como a depressão”. O trabalho paisagístico tem o poder de transformar por meio das plantas, que se revelam com o tempo. Cláudio resume: “o paisagismo é como uma moldura que valoriza a obra”. Fátima, que também não esconde o amor pela profissão, não hesita ao dizer que “a terra é mágica”. E é através da dedicação, do gosto e da sensibilidade desses profissionais que o mundo pode se tornar um lugar repleto de flores e verde, pois, como conclui Raquel, “o desejo de todo mundo é estar num jardim”.

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